quarta-feira, 17 de junho de 2015

Anda para não perder a cabeça

Ela tinha um andar diferente. Embora a carne não preenchia muito as roupas, faltava mais alguma coisa. O passo conforme o segundo, o corpo inclinado, a pressa. Isso, a coisa mais estranha de tudo é que faltava a pressa. Em forma de ritmo, não necessariamente a pressa em segundo, porque também já tinha idade mais avançada. Aquela pressa-destino, pressa-para-não-perder-tempo, pressa porque eu preciso chegar, resolver, fazer, limpar, decidir, ouvir, dizer, receber, entregar, pagar, assistir, contar, abraçar, pressa-para-morrer mais convicta, para amar, para sofrer.
Enfim, não tinha nada. Esvaziada de sentidos, símbolos, coberta dos instintos mais primitivos ela caminhava. Estava vestida sim, e se apoiava na bolsa, o corpo ao compasso molenga, sacudido, tinta no cabelo. Ela andava e tascava na minha cara “por que que é que a gente se deixa, hein?”. Incomodei-me com a falta de tudo.
Assim, passei por ela. E seu olhar tinha tanto! Por um momento não foram as histórias cosmogônicas mas aquela mulher, aquela mulher que me fez sentir ridícula, ínfima, pouco. Foi seu nada, sua divagação inerente em pleno meio-dia, sua falta de compromisso, de pressa, de preocupações, mas somente sua locomoção vagarosa, vertiginosa, obtusa que publicamente fazia ser que me fez rever.
Tive raiva, ódio, indignação! Achei-me sôfrega ao comparar meu andar, tão consonante com minhas ideias, tão expoente de minha auto percepção. Se ao menos eu dançasse, se ao menos eu sorrisse, se ao menos eu não ficasse me perguntando tanto, mas apenas fizesse  o mesmo.
E por isso indignação: eu conseguiria transcender meu andar em todas as esferas que permeiam minha alma. Eu seria sopro. Mas hoje eu sou magma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário