Anda para não perder a cabeça
Ela tinha um andar diferente. Embora
a carne não preenchia muito as roupas, faltava mais alguma coisa. O passo
conforme o segundo, o corpo inclinado, a pressa. Isso, a coisa mais estranha de
tudo é que faltava a pressa. Em forma de ritmo, não necessariamente a pressa em
segundo, porque também já tinha idade mais avançada. Aquela pressa-destino,
pressa-para-não-perder-tempo, pressa porque eu preciso chegar, resolver, fazer,
limpar, decidir, ouvir, dizer, receber, entregar, pagar, assistir, contar, abraçar,
pressa-para-morrer mais convicta, para amar, para sofrer.
Enfim, não tinha nada. Esvaziada de
sentidos, símbolos, coberta dos instintos mais primitivos ela caminhava. Estava
vestida sim, e se apoiava na bolsa, o corpo ao compasso molenga, sacudido,
tinta no cabelo. Ela andava e tascava na minha cara “por que que é que a gente
se deixa, hein?”. Incomodei-me com a falta de tudo.
Assim, passei por ela. E seu olhar
tinha tanto! Por um momento não foram as histórias cosmogônicas mas aquela
mulher, aquela mulher que me fez sentir ridícula, ínfima, pouco. Foi seu nada,
sua divagação inerente em pleno meio-dia, sua falta de compromisso, de pressa,
de preocupações, mas somente sua locomoção vagarosa, vertiginosa, obtusa que publicamente
fazia ser que me fez rever.
Tive raiva, ódio, indignação! Achei-me
sôfrega ao comparar meu andar, tão consonante com minhas ideias, tão expoente
de minha auto percepção. Se ao menos eu dançasse, se ao menos eu sorrisse, se ao
menos eu não ficasse me perguntando tanto, mas apenas fizesse o mesmo.
E por isso indignação: eu conseguiria
transcender meu andar em todas as esferas que permeiam minha alma. Eu seria
sopro. Mas hoje eu sou magma.
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