sábado, 25 de abril de 2015

O caminho da crônica

                                                                                                                                     Ana Paula Moraes

Os pequenos sons balbuciam a levada do dia e me deixam constrangida de dormir mais. Há sol lá fora. Então, como quem ritualisticamente se espreguiça ou toma água quando acorda, pego minha caneta e folha em branco. Em tempos digitais, faço à moda antiga, sou romântica e jovem. Desço a rua de casa e lá, longe, vejo prédios despontando que continuam para mim a anunciar o futuro.  
Em contraste com o céu, azul, azul, uniformemente pintado, sem vacilos, desproporções, é a vida pois, contínuo a descer ruas e desta vez atento-me para o fato de morar em uma espécie de vale e que desejo saber seu outro lado. Porque mistério é aquilo que meus olhos veem ao longe, mas meu corpo fica. Ah, as estrelas: avisam a gente todos os dias que tudo é muito, muito além-daqui-agora.
Atravesso uma ponte, lembrando que morria de medo de atravessá-la quando era pequena junto de mamãe: tinha medo de que ela caísse e fosse embora. E eu, que não sabia e não sei nadar, teria de me conformar com aquilo que eu ainda não poderia e não posso.
Encontro a rua, um portal de árvores. É como se tudo já existisse: é como se este lugar fosse um polo magnetizador, me atraindo para o indeterminável. E lá, bem ao fundo, encontro-me: uso uma camiseta branca, calça preta, sapatilha. Estou com a mesma caneta, folhas tiradas do mesmo caderno, mexendo os lábios, pois falo sozinha, ontem e amanhã. Chego mais perto e sim, sou eu! De tudo igual agora, menos a tonicidade da pele: sou eu com peles flácidas, as gorduras moles, mais pintas. Aos nos olharmos, reconhecemo-nos. Os olhares são idênticos, além da roupa e dos objetos. E desse, reconhecemos também que nossa história, tão intensa e cheia, é passageira. E é de crônica que vamos escrevendo exatamente a cena que agora dividimos: ela já não se pergunta, enquanto eu hoje persisti no mistério.

Ambas querem ocupar o lugar uma da outra. As folhas caem ao nos abraçarmos, sequenciando a história de nossas vidas: minha última crônica será sobre o dia que encontrei comigo mesma e soube do que era.  

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