SICUT
ENIM HODIE , PANEM ET CIRCENSES
Ir a primeira
vez ao circo com trinta e dois anos(!) é sentir-se, de certa forma, como o
cavaleiro Anthonyus Block ( Max Von Sydon) do filme “O Sétimo Selo”, de Ingmar
Bergman.
Não que eu
não encontre mais sentido na vida e, de repente, o circo e coisa e tal. Mas
sabe, é interessante pensar nessa arte quase como uma forma de resistência a
toda transformação voraz que nossa atual sociedade vive: ao longe, a grande
tenda com suas as lâmpadas tipo “bolinhas” chamaram minha atenção para essa maneira
reconhecível desde sempre.
Ao chegar na
bilheteria e adentrar no interior do espetáculo, homens barbudos fumando e
conversando perto de seus trailers: uma olhadela mais curiosa para saber o que
pessoas de lugar nenhum carregam: bom, além do normal, o necessário. Nada de
tvs 56 polegadas, closet para as roupas, espaços divididos num lar que deve
sempre unir. Volte e meia o essencial é realmente invisível aos olhos!
O palco era modesto
em tamanho, a plateia intimista em relação a esse. Enfim, a sensação de ficar
perto me fez perceber cada movimento, cada detalhe nas roupas, cabelos,
maquiagem; imaginar as horas e horas que cada artista se submeteu para executar
seu número foi um dos meus pensamentos; ressignificar o que acho difícil às
vezes desempenhar foi outro. O corpo, cheio de possibilidades, pode ensinar aos
pensamentos que esses também podem flexibilizarem-se.
Eu acreditei
em tudo: no ciclista que diversas vezes brincou de desequilibrar-se em
bicicletas impensáveis (desmontáveis, tortas, de todos os tamanhos) aos
palhaços que fingiram me sujar com ovos que estavam “grudados” na travessa por
um cordão que também fingiram perder o equilíbrio; na contorcionista e seu
suposto destroncamento de membros ao mágico com seus truques (uns desvendáveis
por uma parte do cérebro que insiste em raciocinar e outros que ficaram no
insólito do absurdo -não quero pensar sobre esses outros, ponto!); os
malabaristas, precisos, concentrados, presentes. O circo é um agora constante...
Fui toda
levada pelos sons em meios ao gestos, pelas luzes em meio a música, pelos
sorrisos fáceis. Como fui relapsa para rir ontem. Como me deixei conduzir por minhas
palmas espontâneas, minha mão levada à boca aos sustos torrenciais; os
suspiros, ar repentino que levamos ao coração em catarse.
Senti-me como
Anthonyus porque um dia perderei para a morte, mas meus
olhos serão, assim como os do cavaleiro ao experimentar algo significativo na vida
antes de morrer, de uma felicidade imensa por ter visto, dentre outras coisas, tal espetáculo.
Sou essa
porção menina que muitos falam mais pelo o que não vivi do que insisto em não
deixar ir embora.