Quando finge de esquecer
Voltava
da escola. Mochila pendurada, cabisbaixo, andarilho. Em frente ao portão,
arrastou-se para a entrada da casa, que antes era isso, e agora não sendo, fazia
tristeza grande, dor no peito, suspiros. Atravessou o patamar e na entrada da
porta via ao longe a avó, estendendo roupa no varal. Foi caminhando em sua
direção, enquanto deslizava as mãos no sofá, mesa. Queria ver seu olhar, para
saber que haveria conforto maior que o silêncio. A vó, cabeça branca, pele
mole, gestos firmes viu quando o menino, parado, a olhava. E de fato, fez-se o entendido.
Terminou de estender as duas vestes que faltavam e foi na direção do neto.
Penteou seu cabelos com os dedos, deu
um abraço, tirou-lhe o peso. E tinha mais. Permaneceram abraçados por um
momento. Estranho, não lembrava de quando tinha sido o último abraço.
Pensou sério, e isso não era bom.
Despregando-se do menino, a avó
perguntou:
- Como foi a aula querido?
O menino tinha ouvido a pergunta mas
não tinha pensado na resposta:
-Bem...
- O que há com você meu amor? Quer
conversar?
- Ah não vó, estou cansado.
- Ora vamos!
A anciã pegou uma cadeira e colocou-a
na porta que dava para o quintal. O garoto encostou-se no batente. Olhava o
tênis azul, da cor do short, sua cor predileta. Seu pé tinha crescido. E
disparou:
-Vó, por
que mudamos? Por que não tem coisas que ficam sempre como são,
para serem mais fáceis?
-Bom, como o quê querido? Dá um exemplo
para mim.
- A vó, sei lá, como gostar de
jogar somente em uma posição no time de futebol, sabe? Como eu que sempre sou o goleiro da turma. Eu treino sempre para
agarrar no gol, sou bom, meus amigos sabem que gosto, que sou bom, porque sempre tô lá, entende? Aí, sempre me escolhem para ser o goleiro. Não
tem erro.
- Meu querido, quem disse pra
você que é mais fácil assim? E se você descobrisse que ser ponta-de-lança
é melhor?
- Ué, eu teria que tentar nessa
posição né vó! Mas é difícil quando já está acostumado com as coisas.
-Sim, é sempre mais difícil
quando estamos acostumados.
- Há algo pior que ser esquecido?
- Como assim meu filho, ninguém
esqueceu de você!
- E por que não falam comigo? É
egoísmo ou o quê? Ou eu sou um doente para não falarem nada?
- Seus pais estão em um momento
de transição, que nem quando o treinador pede para um jogador substituir outro
que está machucado. Aí ele joga bem, supera expectativas, é, surpreende, e
percebe que não seria nada mal se tentasse continuar jogando nessa nova
posição.
- Ah vó, isso é um jogo!
- Isso é uma situação, meu
querido. Nem sempre estamos certos daquilo que pensamos. Quem é melhor, o
jogador que só jogou em uma única posição ou o jogador que já jogou em duas
posições?
- Acho que, eu responderia que,
seria o que sempre jogou em uma única posição. Mas, bem...
-Sim?
- Talvez nem ele saiba disso.
- E
como ele saberá?
E falando baixinho, concluiu:
- Quando experimentar...
E deu de ombros. Não disse mais nada.
Pegou a bola que estava no canto do quintal e começou a chutá-la. A avó o
observava, dando risadas de algumas trapalhadas da bola, não dele.
Naquela tarde fez muito calor. O
céu com algumas nuvens. Ao parar, depois de alguns minutos para descansar,
observou o alto. A brincadeira consistia em jogar para esquecer a forma que tinha
determinava nuvem. E a brincadeira também consistia em tentar esquecer o que
tinha pensado ser cada forma E aí teria certeza ou não? E aprenderia algo mais?
Pedro sorriu. Estava feliz que a avó
estivesse lá. É verdade...O garoto riu! Olhava para ela em outro tempo. Tinha
outro tempo no dele, ambos resultavam em uma síntese. Tanto mistério para uma
tarde de esquecimentos.
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