sábado, 4 de janeiro de 2014

Compositor de destinos: tempo, tempo, tempo, tempo *


Há quem diga que o amor “Eros” surge em diversos momentos ao longo de nossa vida. E há também os que afirmam que tal sentimento se faz presente em um único instante da existência, onde reconhecemos o que de mais essencial e importante uma pessoa tem aos nossos olhos. Se já passamos por essa última experiência, mas não conseguimos vivê-la, como apagá-la de nosso ser? Na verdade, o tempo paradoxalmente reafirma tal reconhecimento: sabemos que amamos uma pessoa pelo arrebatamento no qual somos tomados, pelo o que agrada ao coração em detrimento de outras relações que experimentamos. Afinal, as experiências caminham pelo espaço e opomos umas às outras em busca de nosso autoconhecimento, de nossa verdade mais íntima.
E é assim, nesse caminho paradoxal que Robert Hale e Carole Fox firmarão matrimônio após 65 anos desde que se conheceram, na escola primária, quando tinham quatro anos. Robert nutria por Carole uma “chama” que foi distanciada quando atingiram 15 anos e tiveram de mudar de escola. Se reencontraram em 2010 em uma reunião na mesma escola primária onde estudaram e reviveram o momento em que já permanecia com eles, mesmo quando os corpos não estavam.
No reavimento, ambos já eram viúvos. Robert pediu o telefone de Carole, mas permaneceu ainda 18 meses sem ter coragem de ligar, pois essa estava ainda abalada com a recente perda de seu último companheiro, segundo um amigo em comum dos dois. No entanto, Carole confessaria mais tarde que desejou que ele ligasse. E quando finalmente Robert ligou e marcaram encontro, simpatizaram os sorrisos, reafirmaram os olhares e os reconheceram. Dentro dessa certeza, o ciclo efêmero e adormecido apenas se renovou pelo mistério do amor. E não foi à toa que resolveram ritualizar tal acontecimento marcando casamento pouco tempo depois.
O que faz sabermos que é essa e não outra pessoa na qual queremos viver juntos, casarmos? Em “O poder dos mitos”, Bill Moyers, ao questionar Joseph Campbell sobre tal saber, esse explica: “Isso é muito misterioso. É quase como se a vida futura, que você vai viver com essa pessoa, já lhe tivesse contado isso. Eis aqui alguém com quem você vai viver aquela vida em comum...É quase como se você estivesse reagindo em face do futuro. É aquilo que está por acontecer, falando a você. Isso tem a ver com o mistério do tempo e com a transcendência do tempo.”
Num primeiro momento confesso que lamentei  esse tempo que não volta e que poderia ter sido convertido em convivência e histórias. Mas, pensando bem, isso é uma grande ilusão e as ilusões são terríveis, há um que de verdade nelas: para mim, acredito que o amor possa ser vivido com mais êxito por esse casal do que por um em início de sua união, pois possuem experiências de seus outros relacionamentos e dimensionam a vida no tocante àquilo que de fato seja importante, por não terem mais o tempo que esse jovem casal teria. Esse passará anos e anos trabalhando (mais precisamente onze meses ininterruptos com intervalo de um mês entre eles), economizando dinheiro, sacrificando-se, para chegar num tempo em que “colherão aquilo que plantaram”.
No caso do nosso experiente e promissor casal, esse mesmo tempo que fez com que ficassem longe um do outro é o que será o responsável por uni-los de forma harmônica: o período que passarão de agora em diante será integral, real, hoje: viverão um dia de cada vez.
São os ditos cidadãos respeitáveis, aposentados, os filhos já possuem famílias, têm casas, carros. Terão a oportunidade de vivenciarem o amor como uma experiência espiritual, de amarem como um casal de jovens amantes no início da relação, mas sem se preocuparem com as expectativas da família, sociedade, com as dúvidas futuras sobre a profissão que desempenharão e o carro que deverão comprar. Eles têm a oportunidade de viverem a felicidade e a dor que só o verdadeiro amor propicia: a experiência de estarem realmente vivos.

*Oração ao Tempo, Caetano Veloso

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