Há
quem diga que o amor “Eros” surge em diversos momentos ao longo de nossa vida.
E há também os que afirmam que tal sentimento se faz presente em um único instante
da existência, onde reconhecemos o que de mais essencial e importante uma pessoa
tem aos nossos olhos. Se já passamos por essa última experiência, mas não
conseguimos vivê-la, como apagá-la de nosso ser? Na verdade, o tempo
paradoxalmente reafirma tal reconhecimento: sabemos que amamos uma pessoa pelo
arrebatamento no qual somos tomados, pelo o que agrada ao coração em detrimento
de outras relações que experimentamos. Afinal, as experiências caminham pelo
espaço e opomos umas às outras em busca de nosso autoconhecimento, de nossa
verdade mais íntima.
E
é assim, nesse caminho paradoxal que Robert Hale e Carole Fox firmarão
matrimônio após 65 anos desde que se conheceram, na escola primária, quando
tinham quatro anos. Robert nutria por Carole uma “chama” que foi distanciada
quando atingiram 15 anos e tiveram de mudar de escola. Se reencontraram em 2010
em uma reunião na mesma escola primária onde estudaram e reviveram o momento em
que já permanecia com eles, mesmo quando os corpos não estavam.
No
reavimento, ambos já eram viúvos. Robert pediu o telefone de Carole, mas
permaneceu ainda 18 meses sem ter coragem de ligar, pois essa estava ainda
abalada com a recente perda de seu último companheiro, segundo um amigo em
comum dos dois. No entanto, Carole confessaria mais tarde que desejou que ele
ligasse. E quando finalmente Robert ligou e marcaram encontro, simpatizaram os
sorrisos, reafirmaram os olhares e os reconheceram. Dentro dessa certeza, o ciclo
efêmero e adormecido apenas se renovou pelo mistério do amor. E não foi à toa
que resolveram ritualizar tal acontecimento marcando casamento pouco tempo
depois.
O
que faz sabermos que é essa e não outra pessoa na qual queremos viver juntos, casarmos?
Em “O poder dos mitos”, Bill Moyers, ao questionar Joseph Campbell sobre tal saber,
esse explica: “Isso é muito misterioso. É quase como se a vida futura, que você
vai viver com essa pessoa, já lhe tivesse contado isso. Eis aqui alguém com
quem você vai viver aquela vida em comum...É quase como se você estivesse
reagindo em face do futuro. É aquilo que está por acontecer, falando a você.
Isso tem a ver com o mistério do tempo e com a transcendência do tempo.”
Num
primeiro momento confesso que lamentei esse tempo que não volta e que poderia ter
sido convertido em convivência e histórias. Mas, pensando bem, isso é uma
grande ilusão e as ilusões são terríveis, há um que de verdade nelas: para mim,
acredito que o amor possa ser vivido com mais êxito por esse casal do que por
um em início de sua união, pois possuem experiências de seus outros
relacionamentos e dimensionam a vida no tocante àquilo que de fato seja
importante, por não terem mais o tempo que esse jovem casal teria. Esse passará
anos e anos trabalhando (mais precisamente onze meses ininterruptos com
intervalo de um mês entre eles), economizando dinheiro, sacrificando-se, para
chegar num tempo em que “colherão aquilo que plantaram”.
No
caso do nosso experiente e promissor casal, esse mesmo tempo que fez com que
ficassem longe um do outro é o que será o responsável por uni-los de forma
harmônica: o período que passarão de agora em diante será integral, real, hoje:
viverão um dia de cada vez.
São
os ditos cidadãos respeitáveis, aposentados, os filhos já possuem famílias, têm
casas, carros. Terão a oportunidade de vivenciarem o amor como uma experiência
espiritual, de amarem como um casal de jovens amantes no início da relação, mas
sem se preocuparem com as expectativas da família, sociedade, com as dúvidas
futuras sobre a profissão que desempenharão e o carro que deverão comprar. Eles
têm a oportunidade de viverem a felicidade e a dor que só o verdadeiro amor
propicia: a experiência de estarem realmente vivos.
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