Dia Especial: parte I
Ontem foi um dia especial:
encontrei duas pessoas especiais. O primeiro foi Marcos. Eu estava em um salão
de cabeleireiras esperando a manicure, quando sentou um rapaz ao meu lado.
Achei estranho como ele ficou olhando para mim, porque embora eu estivesse com
uma revista em mãos, notei que seu corpo estava muito próximo ao meu, olhando
para mim. Foi quando olhei para ele. Percebi que talvez tivesse alguma
necessidade especial e então disparei a pergunta, “E aí tudo bem”? Respondeu
“Tudo”, de maneira forte e realmente confirmei que ele era “especial”, com todo
sentido da palavra.
Marcos possui “Síndrome de
Asperger”. Eu já tinha ouvido falar desta síndrome, mas nunca havia lido nada ao
seu respeito. Possui algumas características parecidas com o autismo, porém o
comprometimento social não é tão grave. Comecei a perguntar sobre sua vida,
escola, do que ele mais gostava e fui surpreendida por um rapaz de 18 anos que sabia
datas, informações particulares, específicas dos artistas e cantores que citava,
modelos de carro que mais gostava, seus anos de fabricações, potência dos motores,
hábitos familiares.
Enquanto batia meu
bate-papo com o jovem a mãe do garoto dava-me explicações e complementações
sobre o que conversávamos. Fiquei surpresa com a desenvoltura e fruição na fala
do jovem. Ele sabia ler e escrever e falava sobre sua escola, seus colegas.
Algumas vezes repetia a mesma informação, ajeitava os óculos constantemente. Em
meio a nossa conversa, ora Marcos encostava seu rosto de mansinho junto ao meu
e contemplava-nos ao espelho que estava a nossa frente, ora, de forma delicada,
tocava em minha mão. Sua mãe dizia “sem tocar”. Eu ria, apreciava-o com muita
curiosidade e sensibilidade enquanto a mãe explicava “Ele ficou encantado com
você”. O encanto foi recíproco.
Ao final, estendeu sua mão
para mim e disse que me amaria para sempre. Repetiu a frase e formou um coração
com suas mãos. Ele não me sai da cabeça. Amar para sempre é, entre outras
coisas,“não esquecer”.
Dia especial: parte II
Mais tarde, ao sair da
escola de inglês, encontro o majestoso Sérgio Dente, que foi meu professor de
história no ensino médio e que por um tempo trabalhamos juntos.
Sérgio é uma daquelas
pessoas que por onde passa todos que já toparam com ele na vida fazem questão
de cumprimentar. Ele atribui a isso a questão do “estigma de professor” já que
está a algum tempo lecionando em Diadema, participando da vida política da
cidade, dos grupos estudantis de formação comunitária como o GEB. Muitos o
conhecem.
Iniciamos nossa prosa
falando da saudade um do outro, ele dizendo que eu fazia falta na escola, eu
dizendo que eu é quem sentia falta de nossas conversas. Ele me contou um pouco
de sua vida, cheia de aulas, da viagem que faz à Minas Gerais, sua visita ao
museu “Clube da Esquina” e como esse este estava, infelizmente, abandonado. Falamos
da nossa grande amiga em comum Cristiane, que trabalha com ele e que muitas
vezes é a pessoa com quem consegue repartir os livros lidos, os filmes vistos,
as ideias presas na garganta ou lançadas num rompante de reflexão. Disse que
esses dias fez-lhe a seguinte pergunta: “Trinta milhões ou trinta anos”? Foi
inevitável não falar do tempo.
Falamos também sobre o
filme “O enigma de Kaspar Hauser”, - que nunca terminei de assistir- e de
algumas possíveis interpretações. Lancei algumas ideias com relação à
linguagem, remetendo-me à outra história, “O garoto selvagem”, de Jean Marc Gaspard Itard, que li e vi na
faculdade. Enquanto falávamos, seus olhos chicobuarquianos com um brilho tão vivo, não desbotara como as madeixas de sua cabeça. Seu sorriso também é o mesmo,
despojado e fácil. Pediu para que entrasse em seu facebook para ver as coisas
que postava sobre as aulas, seus alunos (não tenho facebook!); comentou sobre a
crônica que fez do rádio que utilizou por doze anos na escola e que agora não
toca mais cd (“Esse rádio alegrou durante muitos anos as aulas de história da
escola Cardim”). Realmente, eu mesmo ouvi dele, quando era sua aluna no ensino
médio, pela primeira vez, a voz do já trazido Chico Buarque, de Caetano Veloso, Geraldo
Vandré, Milton Nascimento, Língua de Trapo.
Encerramos nosso encontro com seu dito “Deixa eu ir porque nossa
conversa é aquele tipo de conversa em que as portas dos comércios se
fecham, as luzes se apagam, a noite chega, mas continuamos aqui”.
Como eu amo esse ser humano. Como ele foi importante para mim. Sei, de
maneira muito consciente, que quis trabalhar na mesma escola que ele porque
queria poder compartilhar ideias não mais ao nível aluna-professora, mas ao
nível “parceiros de vidas profissionais”, de um mesmo caminho escolhido com
paixão e convicção por nós dois. Foi meio para dizer “Olá mestre, aqui estou,
agora também faço parte da mesma tribo”. Ele respira escola, ser humano, chega a
ser excessivo. Mas é bonito! Afinal, excesso de esperanças, de acreditar na
coisa démodé de que é possível fazer diferença faz tudo ficar mais bonito não?
Hoje é seu aniversário. Sérgio, Sérgio, lhe desejo (e quero) nesta data tão especial que apenas seja e tudo não terá
sido em vão.
O homem mais ateu que já conheci é também o homem de mais fé que já vi. Feliz Aniversário!!!
O homem mais ateu que já conheci é também o homem de mais fé que já vi. Feliz Aniversário!!!
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